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Trigo: Há Potencial para a Autossuficiência


O trigo caracteriza-se por ser o segundo cereal mais produzido no mundo e uma das culturas com maior disseminação global, isto é, sua produção ocorre em diferentes partes da superfície terrestre sob distintas condições edafoclimáticas. Em virtude dessas características, apresenta grande relevância para a economia agrícola mundial, contribuindo de maneira significativa para a intensificação do comércio de commodities em escala global. Entre os anos de 2011 e 2016, as exportações mundiais de trigo e derivados totalizaram cerca de 980 milhões de toneladas, com média de aproximadamente 163 milhões de toneladas ao ano.


No caso brasileiro, a história da cultura do trigo sempre foi marcada por fortes oscilações em termos de área semeada e quantidade produzida. Essas variações são resultado de condicionantes físicos, como alterações no regime climático anual, fatores comerciais, como queda do preço do cereal no mercado mundial, variáveis institucionais, como políticas públicas estatais que fornecem garantias antecipadas à produção, entre outros elementos.


Em linhas gerais, é possível citar que, entre os pontos fortes da produção de trigo nacional estão o sistema de produção de sementes, o caráter de sustentabilidade do sistema plantio direto, o mercado interno em expansão e a diluição dos custos fixos de produção das culturas de verão e agregação de valor ao estabelecimento agrícola propiciada pela produção de trigo no inverno. Os obstáculos ao desenvolvimento da triticultura brasileira, por sua vez, estão relacionados a logística e armazenagem deficientes, alto custo de produção, dificuldade no transporte de cabotagem (transporte marítimo entre portos brasileiros), financiamento inadequado, preços condicionados pelo mercado internacional, subsídios em países exportadores e falta de coordenação em todo o complexo agroindustrial.


Atualmente, o total de trigo produzido no País é similar aos totais máximos registrados no passado, ainda que as oscilações de produção anuais estejam fortemente presentes. No período entre 2011 e 2016, o Brasil produziu, em média, 5,6 milhões de toneladas anuais, se situando próximo à média do intervalo de 1985 a 1989, de 5,4 milhões de toneladas, número notadamente inferior à demanda de abastecimento interno, que é aproximadamente de 10,6 milhões de toneladas.


Região Sul: 89% da produção — Em termos de área ocupada pela cultura, observa-se ligeira redução entre a área total utilizada pela triticultura nos últimos anos em comparação às décadas anteriores: entre 2011 e 2016, a área semeada de trigo apresentou média de 2,2 milhões de hectares enquanto que, no intervalo entre 1977 e 1990, totalizou 2,8 milhões de hectares. Além disso, há uma concentração significativa do trigo em algumas regiões. Ainda que existam áreas de produção nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste, em sistema de sequeiro ou irrigado, a maior parte da produção ocorre na Região Sul (89% da produção), especialmente nos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul.


A atual produção de trigo, similar àquelas registradas no passado, mesmo com uma ocupação de área inferior, foi possível devido ao incremento expressivo no rendimento da cultura, sobretudo nos últimos 20 anos. O País passou de uma média de rendimento de 846 quilos/hectare no intervalo de 1970 a 1980 para 2.514 quilos/hectare entre 2011 e 2016. Esses ganhos significativos de rendimento estão associados ao consistente esforço institucional visando ao desenvolvimento científico e tecnológico direcionado à triticultura, em que se incluem ações como, por exemplo, programas de melhoramento genético e zoneamento agrícola de risco climático. Além disso, cabe destacar os altos rendimentos obtidos por meio do cultivo de trigo em sistema irrigado em algumas áreas, sobretudo em locais específicos de Goiás, Minas Gerais e do Distrito Federal, com valores acima de 5 mil quilos/hectare.


No entanto, a inexistência de alterações relevantes na produção de trigo nacional, associada com um nível de consumo médio da ordem de 10,6 milhões de toneladas entre 2011 e 2016, mantém permanente a demanda brasileira por importação de trigo. Cabe ressaltar, ademais, que a importação está relacionada não apenas ao déficit quantitativo entre a quantidade produzida no País e o total consumido internamente, mas também diz respeito às características qualitativas do trigo e às necessidades determinadas pelo setor de alimentos que faz uso desse insumo em diversos tipos de processamentos industriais.


Considerando essa realidade, a Embrapa Gestão Territorial e a Embrapa Trigo realizaram um estudo para avaliar o potencial de produção da cultura no Brasil. Para o desenvolvimento do trabalho, adotou-se a divisão das regiões homogêneas de adaptação do cereal no Brasil. A projeção de expansão da área de cultivo, considerando todas as regiões homogêneas, partiu de cenários criados com base em associações de fatores como área de cultivo no verão (soja e milho), áreas aptas à cultura de inverno e otimização de áreas que historicamente já foram ocupadas pelo trigo. A estimativa baseou-se na média de rendimentos, volume de produção e área colhida no período 2010-2012.


Com isso, foram desenvolvidos quatro cenários possíveis. Os cenários 1 e 2 estimam o potencial de produção de trigo caso essa cultura seja utilizada no inverno nas áreas já ocupadas pelas safras de verão de soja e milho. As sucessões soja-trigo e milho-trigo estão entre as predominantes nas principais regiões produtoras de trigo no Brasil, à exceção da região tritícola do Brasil Central, o que justifica a escolha desse critério.


O cenário 3, diferentemente, está baseado no histórico de máxima produção no Brasil. Assim, determinou-se qual a máxima produção do cereal para cada município que registrou alguma área ocupada pela cultura entre 1990 e 2012. Se todos os municípios que já cultivaram trigo nesse período apresentassem sua máxima produção em um mesmo ano, o resultado seria aquele apresentado pelo cenário 3. Por fim, o cenário 4 apresenta uma combinação entre os cenários 1 e 3, adotando o maior valor obtido em cada um deles.


Os resultados do estudo revelam que o Brasil seria autossuficiente no que se refere ao trigo se uma das duas condições seguintes fosse atendida:


a) caso a participação proporcional da cultura do trigo em relação às áreas de soja e milho (primeira safra) atingisse o valor de um terço para todos os municípios que possuem registro recente de produção de trigo;

b) caso os municípios que contabilizaram algum cultivo de trigo desde o ano de 1990 apresentassem conjuntamente seu maior nível histórico de produção.


A consideração dessas duas perspectivas é relevante porque implica na conclusão de que a autossuficiência da triticultura nacional pode ocorrer sem necessariamente exigir incorporação de novas áreas para a produção agrícola. Em ambos os casos, tratam-se de áreas agrícolas já consolidadas que podem contribuir com níveis de produção crescentes caso o trigo possua maior participação na estratégia de rotação de culturas ou mediante a incorporação de novas tecnologias no processo produtivo.


Os resultados gerados fornecem indicativos de que as políticas públicas podem atuar nas regiões tradicionais de produção de trigo na busca pela minimização das variações temporais verificadas na série histórica de produção, na retomada de áreas de produção de trigo hoje em declínio ou estagnadas e que já apresentaram significativas contribuições no passado, e atuar visando à obtenção de melhor qualidade do trigo produzido. Além disso, o planejamento e o investimento na otimização da logística de escoamento do trigo produzido em direção aos maiores centros de consumo do País são fundamentais para garantir a competitividade econômica do produto nacional frente ao importado.


Produção na Região Central — No entanto, ainda que as ações anteriores sejam de fundamental importância para o complexo agroindustrial do trigo, outros incrementos significativos na quantidade produzida apenas serão possíveis mediante a incorporação de novas áreas de produção com mudanças na dinâ- mica territorial da triticultura no País. Nesse sentido, dadas suas características físicas e produtivas, a região do Brasil Central (Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia e parte de São Paulo) torna-se importante alvo para o planejamento de ações de fomento à produção do trigo, considerando a relevância que essa área apresenta para a produção agrícola nacional, principalmente no tocante às lavouras temporárias, com destaque para a cultura da soja, e reconhecendo que parte de sua extensa área com potencial agrícola pode ser utilizada na produção de trigo.


Dentre as potencialidades da triticutura no Brasil Central estão seus elevados rendimentos em relação às áreas de produção tradicionais, em grande medida resultado do desenvolvimento de cultivares de melhor adaptação à região e da disponibilidade de infraestrutura de irrigação, além da própria capacidade do parque moageiro instalado nesses locais, que atualmente é muito maior do que a produção registrada nos últimos anos. É fundamental considerar, ademais, que a expansão da triticultura nessa região pode ocorrer mediante cultivo em sistema de sequeiro, possibilitado por meio de seleção de cultivares adequadas a essa realidade regional e conforme as condições edafoclimáticas de cada local, inserindo-se em estratégias de rotação de cultura que sejam economicamente viáveis e ambientalmente desejáveis.


Pesquisadores da Embrapa Gestão Territorial André Rodrigo Farias, mestre em Geografia, andre.farias@embrapa.br; e Rafael Mingoti, engenheiro agrônomo, doutor em Ciências, rafael.mingoti@embrapa.br


Fonte: A Granja























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