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Lucro perdido na lama


De carro, caminhão ou moto, o trajeto de cerca de 300 quilômetros que separam o município de Formosa do Rio Preto, no extremo oeste da Bahia, do município de Dianópolis, na divisa com o Estado do Tocantins, é feito aos sobressaltos. No início de abril, trafegar de um ponto a outro exigia disposição para enfrentar uma infinidade de buracos e uma via que mais se parecia com um mar de lama, depois de três semanas de chuvas. Todos os anos, a cena é comum em período de colheita na região da Chapada da Garganta. Com precipitação média anual de 1,6 mil milímetros, o nome designa uma área de Cerrado de 250 mil hectares, dos quais cerca de 150 mil são cultivados com grãos, especialmente a soja. “Todo ano é assim, basta chover e o caminhão não passa”, diz o caminhoneiro Augusto José Lopes, 44 anos, que está na foto de abertura desta reportagem de DINHEIRO RURAL, esperando por ajuda ao lado de sua carreta atolada. “A sorte é que estou indo buscar uma carga e o caminhão não está cheio, ou tombaria.” Lopes enfrenta a estrada há dez anos. Ela é o caminho para retirar a produção do campo e, embora tenha alguns trechos asfaltados, volta a ter boas condições só no Tocantins, na rota que leva aos portos do Norte e também aos armazéns de grandes tradings. Na região da Garganta há 60 produtores, espalhados por nove municípios, muitos deles vindos de colônias da região do Sul.


A Bahia é responsável por cerca de 4% da produção agrícola do País, de acordo com dados da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba). Especialmente o oeste baiano é uma região em crescimento acelerado, graças às plantações de milho, algodão, café e, principalmente, soja. Nesta safra, a Bahia deve colher 7,7 milhões de toneladas destas culturas, em 2,4 milhões de hectares, dos quais 5,3 milhões de toneladas são de soja. O oeste é parte significativa do novo eldorado brasileiro, o Matopiba, região de 73,1 milhões de hectares nas confluências do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, considerada a última fronteira agrícola em expansão no mundo. Ou seja, o que acontece no oeste baiano impacta os resultados dessa nova região.

No caso da logística, embora os produtores lutem para amenizar o caos que impera nesse pedaço do País, eles sofrem os mesmos desafios para tirar a safra do campo, como ocorre em áreas agrícolas importantes de outros Estados, entre eles Mato Grosso, Goiás e Pará. A dificuldade no escoamento da safra gera prejuízos, diz o agricultor Marildo Mingori, 55 anos. Ao lado dos irmãos Marcelino e Maximino, ele comanda a fazenda Mingori, de 23 mil hectares, em Formosa do Rio Preto. Da área total, 13 mil hectares são dedicados à soja, com a produção entregue para as tradings americanas Bunge e Cargill. Na safra 2016/2017, Mingori colheu 75 sacas por hectare, em média, equivalentes a 58,5 mil toneladas do grão. A produtividade alcançada na propriedade é espetacular, muito superior ao desempenho médio baiano, previsto em 56 sacas por hectare. Mas a estrada engole parte desse desempenho. “O custo do transporte é de R$ 4 por saca”, diz o produtor. “Se a estrada fosse boa, seria de apenas R$ 1,50.” Ou seja, neste ciclo 2016/2017, Mingori gastou R$ 3,9 milhões com frete para a soja, mas se houvesse uma estrada decente poderia ter gasto R$ 1,46 milhão.


O fato é que, na ponta do lápis, somente nesta safra estão indo para o ralo da ineficiência logística R$ 2,43 milhões em uma única fazenda, embora a propriedade de Mingori tenha silos com capacidade para armazenar 60 mil toneladas de grãos. Carlos Schmidt, gerente de marketing da New Holland para agricultura de precisão, empresa do grupo CNH Industrial, que pertence à italiana Fiat e que atua fortemente na região do oeste baiano, afirma que o grande problema dos produtores é justamente chegar até o silo por causa das péssimas estradas. Cada caminhão quebrado ou atolado significa cerca de 40 toneladas de grãos fora da corrida para os portos ou para abastecer o mercado interno. “Quando um produtor começa a colher os outros estão fazendo o mesmo processo, o que aumenta muito o tráfego na região”, diz Schimdt. “Nesse tempo, chega a faltar caminhões.” De acordo com Luiz Stahlke, assessor de Agronegócio da Aiba, as consequências são desastrosas para todos os lados que se olhe. “Além das más condições das estradas levar a um frete mais caro, muitos caminhoneiros não querem transportar grãos pela região da Garganta”, afirma Stahlke.


POR CONTA A tentativa dos agricultores em fazer com as próprias mãos, não esperando pelo poder público, tem sido uma das soluções para amenizar as perdas com logística. Segundo a Aiba, o desperdício no transporte de grãos chega a 60 mil toneladas por safra. Um desses paliativos nasceu em 2014 com a criação do Fundo para o Desenvolvimento da Agropecuária da Bahia (Prodeagro), conhecido como Fundão. O fundo, que tem como um de seus focos a infraestrutura, foi regulamentado pela Secretaria de Agricultura do Estado e no qual fazem parte a Aiba, a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) e a Fundação de Apoio à Pesquisa e o Desenvolvimento do Oeste Baiano (Fundação Bahia). Os recursos financeiros são obtidos por meio de crédito fiscal concedido às indústrias processadoras de soja, milho e café na aquisição junto ao produtor. Ao receberem o crédito tributário, elas repassam os valores automaticamente para o Fundão. “A intenção é que as obras sejam feitas com o menor custo possível para o agricultor”, diz Stahlke.


No caso de Mingori, por exemplo, a contribuição é equivalente a duas mil sacas por safra (neste ciclo foram R$ 104 mil) para a melhoria das rodovias de acesso à sua fazenda e a de seus vizinhos. “Nunca vi nenhum governo ajudar os produtores aqui na região”, afirma o agricultor gaúcho que chegou há 31 anos no oeste da Bahia e que está entre os pioneiros no cultivo de grãos. “Quando a estrada está acabada, somos nós que temos de reparar.” A execução das obras financiadas pelo Prodeagro fica por conta da Patrulha Mecanizada, um programa criado em 2013 pela Abapa para executar melhorias em estradas, sejam elas vicinais ou rodovias. De acordo com David Tavares de Magalhães, coordenador da Patrulha Mecanizada, desde o começo do projeto já foram recuperados 900 quilômetros de 40 trechos de estradas. Foram investidos R$ 11 milhões até 2015, mas com a meta de acelerar as provisões o valor para a safra 2016/2017 subiu para cerca de R$ 6 milhões. Dados da Aiba apontam que, apenas na região da Garganta, o aporte foi de R$ 1,7 milhão em 2016 e deverá chegar a R$ 2 milhões em 2017. “O escoamento da safra é um dos nossos maiores problemas”, afirma Magalhães. “Ao tráfego intenso e à chuva do período da colheita, se soma o solo arenoso da região.”



Até o final do ano, o Prodeagro deve bater a meta de mil quilômetros recuperados. Está prevista a realização de obras em outros 300 quilômetros no oeste baiano, entre os quais parte da estrada da região da Garganta. “Com as obras programadas, o frete chega a ficar 20% mais barato, em média”, diz Magalhães. A primeira fase é de terraplenagem das estradas, que passam por manutenção preventiva sempre que preciso. É o mínimo necessário para aliviar a situação dos produtores. Mas há intenção de utilizar cascalho, o que aumentaria a durabilidade dos reparos para até cinco anos. A melhoria das estradas de acesso aos portos do Norte do País é a saída para desafogar as congestionadíssimas BR 242 e BR 324, que ligam a região, partindo de Luis Eduardo Magalhães, município de referência do oeste baiano, para o porto de Salvador. Nesse trecho, a média de tráfego diário é de cerca de 1,1 mil caminhões carregados com grãos ou com insumos agrícolas. Mas, no pico da safra de soja, o número de carretas sobe para três mil veículos por dia. É, definitivamente, um tema que precisa ser discutido com urgência. Como bem disse o ministro Blairo Maggi, recentemente, “dinheiro que estava na mesa, de uma grande colheita, está indo para o ralo, nos buracos das estradas. Dá pena de ver.”

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