O voo da tilápia
Todos os dias, com exceção dos sábados e domingos, um avião parte do aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos, na grande São Paulo, levando na bagagem uma carga de tilápias. O destino de aterrissagem são os Estados Unidos, em cidades como Miami e Nova York, para abastecer as redes de varejo. Mas o pescado, em vez de congelado, como ocorre com a maior parte dos produtos exportados, chega fresco ao consumidor americano. Para que isso ocorra, é necessária uma azeitada engrenagem que começa a 650 quilômetros de Cumbica, no pequeno município de Santa Fé do Sul, interior paulista na divisa com o Mato Grosso do Sul. É lá que a tilápia é embarcada em caminhões refrigerados pela empresa Geneseas, responsável pela criação dos peixes. “Além dos Estados Unidos, também embarcamos tilápia fresca para a França”, diz o administrador Breno Davis, CEO da Geneseas. “São cerca de 70 toneladas por mês de peixe exportado para os dois países.” A operação em Cumbica coloca a empresa em um posto privilegiado.
O peixe originário do rio Nilo, no Egito, que chegou ao País na década de 1970, tem ganhado cada vez mais adeptos no mundo por ter uma carne livre de espinhos e do cheiro característico. Por causa da demanda em alta, a Geneseas é hoje a maior exportadora de tilápia fresca do País. No ano passado, do total de 843,9 toneladas vendidas no exterior, a empresa exportou 840 toneladas, de acordo com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Mas não é somente isso. Criada em 2003 e controlada desde 2015 pelo fundo de investimentos Acqua Capital, que tem como sócio diretor o executivo argentino Sebastian Popik, a empresa se tornou a maior produtora de tilápia do País. A Aqua Capital investiu R$ 25 milhões na empreitada. A produção de peixe saiu de cerca de três mil toneladas em 2014 para 12 mil toneladas no ano passado. A receita saltou de R$ 40 milhões para R$ 125 milhões somente com a tilápia. O faturamento total, incluindo a distribuição de peixes importados, como salmão e atum, mais a originação de camarão no Ceará, com a compra da empresa Dellmare, foi de R$ 215 milhões no ano passado. Para este ano, a previsão é de R$ 318 milhões.
A Geneseas ganhou musculatura para brigar por um mercado de pescados cultivados em continente, o que exclui projetos marítimos, em um setor que no ano passado movimentou R$ 4,3 bilhões, segundo a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR). Foram 640,5 mil toneladas de peixes abatidos, com previsão de 700 mil toneladas neste ano. Em volume, a tilápia respondeu por metade da produção, cerca de 320 mil toneladas no ano. “O mercado de pescados do País vai crescer 10% ao ano na próxima década”, diz o médico veterinário Francisco Medeiros, presidente da entidade. “Isso vai representar um enorme salto para o setor.”A Geneseas não está sozinha nesse mercado. Para se manter em primeiro lugar, terá de continuar crescendo a passos largos, para enfrentar grandes concorrentes. Um deles é o projeto Tilabras, em andamento no município de Selvíria (MS). Uma parceria entre a produtora americana de tilápia Reagal Springs e a brasileira Axial, foi montada para produzir 25 mil toneladas por ano. Outro projeto de grande porte é de autoria do grupo mato-grossense Bom Futuro, do empresário Eraí Maggi Scheffer, que neste ano está cultivando 410 mil hectares de grãos, e que tem um complexo de criação de peixes nativos no qual a tilápia é a próxima aposta. Somam-se a essa briga projetos de peso no mercado, como a pernambucana Netuno; e as paulistas Fider Pescados, do grupo MCassab, no município de Rifânia; e a Brazilian Fish, do grupo Ambar Amaral, também em Santa Fé do Sul.
Davis afirma que não tem medo do desafio, porque a Geneseas foi reestruturada com tecnologia de ponta para sustentar a produção do pescado. “Alavancamos o projeto com um manejo sanitário e nutricional afinado, para uma criação com ganho de escala produtiva”, diz ele. “A oportunidade é grande no País e, aos poucos, vamos fortalecer a piscicultura brasileira.” A companhia está instalada na nascente do rio Paraná, nas águas da represa da usina hidrelétrica de Ilha Solteira, que pertence à Companhia Energética de São Paulo.
A criação das tilápias é feita em 1,1 mil tanques-redes, em cinco áreas outorgadas pelo governo, totalizando cerca de 50 hectares, correspondendo a um volume de 114 mil metros cúbicos de água. Além disso, outras cinco áreas estão prestes a serem liberadas no reservatório, nas quais é possível triplicar a produção, chegando até a 36 mil toneladas anuais. O abate é feito em um frigorífico próprio, construído em Aparecida do Taboado (MS), próximo de Santa Fé do Sul, do outro lado do rio Paraná. “Nossa produção é baseada em um sistema mais intensivo de criação, comparado ao sistema de criação em terra firme, com tanques escavados”, diz Davis. “Acreditamos muito no potencial da tilápia.” A densidade de peixes pode chegar até 80 quilos por metro cúbico em tanques-rede, ao passo que a lotação de um tanque escavado limita-se a cinco quilos por metro quadrado, como ocorre no Estado do Paraná, atualmente o maior produtor de tilápia do País e usuário desse tipo de criação. O negócio tem sido atrativo porque a tilápia é a espécie mais produtiva, comparada às espécies nacionais, como o pintado, o tambaqui, o pacu, o pirarucu e o tucunaré, que também podem ser cultivadas em cativeiro. Seu ciclo de abate leva oito meses, enquanto as demais espécies nacionais precisam de cerca de um ano. “Levando em conta apenas a engorda final, são seis meses para o abate. Isso significa duas safras de tilápia ao ano, que rende um filé padrão de 900 gramas”, diz Davis.
A pesca cultivada no País, embora tenha desafios gigantescos de organização de cadeia, tem avançado. O crescimento previsto para a década se baseia nos pedidos de liberação de licitações de áreas aquícolas que já estão na fila da Secretaria de Pesca e Aquicultura, ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
As atuais demandas seriam suficientes para elevar o Brasil da atual oitava posição mundial como produtor de pescados em continente, para a quinta colocação no ranking global de todo tipo de pescado. Isso pode represetar 1,8 bilhão de toneladas de pescados. O País ficaria atrás de países como a China, maior produtora mundial, com 26 bilhões de toneladas, seguido por Índia com 4,4 bilhões, a Indonésia com 2,9 bilhões e o Vietnã, com 2,5 bilhões, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
Além dos novos projetos, o mercado brasileiro tende a ganhar peso com investimento de empresas que já vem ganhando experiência há muito tempo. É caso do grupo Bom Futuro, que atua nas áreas de grãos, pecuária, sementes, armazenagem, energia e portos. Na empresa de Scheffer, a criação de peixe não é uma novidade. Nos municípios de Jucimeira, Canarana e Campo Verde (MT), desde 2005, o grupo mantém um projeto que atualmente possui 250 hectares de lâmina d’água em tanques escavados e um tanque-rede de 20 mil metros cúbicos de água. Em 2016 foram produzidas 2,2 mil toneladas de tambaqui e pintado. Neste ano, a previsão é cultivar quatro mil toneladas. Agora, além das espécies nativas, o grupo incluiu a tilápia.
Desde o ano passado, do total de R$ 7 milhões investidos para melhorar a produção de peixe, R$ 2 milhões foram destinados ao projeto tilápia. A previsão de receita com o pescado é de R$ 20 milhões neste ano, 66,7% a mais do que em 2016. “A meta até o ano que vem é produzir sete mil toneladas, dos quais três mil toneladas de tilápia”, diz o administrador Herbert Carli Junior, coordenador da piscicultura do grupo. Até 2018, a espécie deve responder a cerca de 30% dos pescados da Bom Futuro. “Falar em tilápia é falar em commodity, por isso o nosso interesse. Também queremos exportar o peixe.”