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Da água ao prato


Entre Jaguaruana, um município de pouco mais de 32 mil habitantes no interior do Estado do Ceará, a 40 quilômetros das praias da turística Canoa Quebrada, e Cotia, na grande São Paulo, são quase três mil quilômetros de estradas. Desde dezembro do ano passado, é esse o trajeto que carretas refrigeradas, carregadas de camarões, percorrem para abastecer a cozinha central da Vivenda do Camarão, a maior rede de restaurantes especializada no crustáceo, embora também sirva outros frutos do mar e peixes. O número de refeições servidas em suas 160 lojas, cerca de 700 mil no ano passado, rendeu R$ 170 milhões. Mas isso ainda não basta para a família Perri, dona do grupo fundado há três décadas. Em busca de mais consumidores, no próximo mês chegam ao mercado cinco novos pratos prontos congelados destinados à venda em grandes redes varejistas, entre elas o Pão de Açúcar. “O consumidor reconhece um alimento de qualidade e a preço justo, e o supermercadista precisa ter giro e margem de lucro”, diz Rodrigo Perri, 40 anos, sócio-diretor e um dos herdeiros da empresa. “Para atender a esses dois públicos, estamos investindo.” No projeto dos novos pratos foi investido R$ 1,5 milhão. Mas ainda não está aí o mais recente e ousado plano do executivo, que espera chegar em 2018 com 20% de seu faturamento vindo dos congelados.

Desde o final do ano passado, a Vivenda do Camarão vem passando de consumidora de matéria prima a produtora. Para ocupar um espaço no início da cadeia produtiva de crustáceos cultivados, chamada de carcinicultura, a empresa já investiu R$ 15 milhões desde setembro. A maior parte, cerca de metade desse valor, foi para arrendar quatro fazendas em Jaguaruana e readequar a sua estrutura para a criação intensiva de camarão. Na região cearense, conhecida como Baixo do Rio Jaguaribe, cerca de 600 pequenos criadores respondem por 60% da produção do Estado. Daí o motivo de ter atraído a atenção dos executivos da Vivenda do Camarão. Fernando Perri, 68 anos, pai de Rodrigo e CEO da empresa, diz que a meta até o mês de junho é produzir 250 toneladas mensais do crustáceo, com previsão de três mil toneladas anuais a partir de 2018. “Essa quantidade garante a nossa atual demanda e ainda gera um excedente”, diz Perri. “Ela também pode nos colocar no mercado atacadista do camarão, um nicho em que já atuamos com a venda de peixe e de frutos do mar.” A empresa importa o polaca e o salmão do Alasca, o prego e a lula do Peru, o panga do Vietnã, além de bacalhau fresco dos países nórdicos.



No caso do camarão, a história é outra. A importação do crustáceo está proibida pelo Ministério da Agricultura desde 1999, sob o argumento de risco sanitário ao cultivo nacional e à fauna marinha. Perri, que nas últimas safras comprava no mercado interno cerca de duas mil toneladas, no ano passado conseguiu adquirir apenas 900 toneladas. Foi a dificuldade da família Perri em obter a matéria prima que a levou a enxergar uma oportunidade de negócio. A escassez do camarão no mercado interno foi provocada pelo vírus chamado mancha branca, que começou a atacar o cultivo do crustáceo no Estado de Santa Catarina a partir de 2004, desembarcando no Ceará e no Rio Grande do Norte em 2015. Sua ação foi devastadora. A mancha branca, que não faz mal ao ser humano, leva o camarão à morte imediata, em função da calcificação da sua carapaça. É como se o animal morresse por asfixia. A produção cearense, que foi de 50 mil toneladas naquele ano, despencou para 35 mil em 2016, de acordo com a Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCCam). O preço, que era de R$ 13 o quilo, pago ao produtor na fazenda, saltou para R$ 35. Hoje ele é de cerca de R$ 16. No mercado atacadista, de acordo com Perri, o preço médio de R$ 19 por quilo em 2014, saltou para R$ 48 no final do ano passado.



Nos restaurantes, a estratégia da Vivenda do Camarão foi a reformulação do cardápio. “Para enfrentar essa crise, no ano passado diminuímos a participação dos pratos à base de camarão”, diz Perri. “Ela era de 75% e ainda hoje está em 50%.” A associação cearense de produtores, filiada à ABCCam, prevê que a recuperação da produção no Estado ainda será lenta e que ela poderá chegar a cerca de 70% até o final de 2018. No Brasil, que já chegou a produzir 90 mil toneladas, o cultivo caiu para 60 mil em 2016. “Hoje, a única maneira de estar seguro na criação do camarão é investir em tanques menores, forrados e cobertos, com controle de temperatura e do pH da água”, diz Itamar de Paiva Rocha, presidente da ABCCam. “A mancha branca não se manifesta acima de 34ºC.” O Ceará, que contava com cerca de 700 fazendas de criação do crustáceo, hoje vem se adequando a um novo manejo parar recuperar mercado.



FAZENDA Nas propriedades arrendadas pela Vivenda do Camarão, que serão geridas pela empresa nos próximos dez anos, a ordem é não baixar a guarda. A produção, que hoje está em 15 hectares de lâmina d’água, do total de 110 hectares disponíveis nas fazendas, tem passado por mudanças. Os tanques antigos foram abandonados e no lugar surgiu uma estrutura com berçários, viveiros e estufas cobertas, em um ambiente controlado. Até a salinização artificial da água de poços artesianos é monitorada. Com um aparato de peso, Perri quer chegar ao cultivo de até 350 camarões por metro quadrado, ante cerca de 40 no modo tradicional a céu aberto. “Acreditamos que será possível recuperar o investimento desse projeto em até dois anos”, diz o executivo. “Depois disso, o objetivo é comprar uma fazenda no município de Trairi, também no litoral cearense, para produzir em área própria.” Trairi, que está a cerca de 350 quilômetros de Jaguaruana e onde é possível utilizar a água do mar nos tanques de criação, é mais um dos 23 municípios cearenses de produção de camarão, que estão divididos em cinco pólos regionais. No total, são 8,8 mil hectares de lâminas d’água, ante 25 mil hectares em todo o País. Mas o potencial é muito maior. O País possui um milhão de hectares de áreas exploráveis para a criação do crustáceo, de acordo com a Câmara Setorial do Ministério da Agricultura para essa atividade, criada em março do ano passado.


Para Perri, o arrendamento das fazendas e a futura compra são, na verdade, um retorno à carnicicultura.Embora em proporção muito menor, nos anos 1990 o empresário foi dono de uma fazenda de camarão no município baiano de Valença. “Há 20 anos, vendi a propriedade porque a possibilidade de importar camarões fazia da criação um negócio pouco compensador”, afirma Perri. “Hoje é diferente.” A Vivenda do Camarão, com 160 lojas, das quais 40 são franqueadas, já tem no foco um outro negócio ainda mais ousado que a venda de pratos em redes de varejo. A família Perri quer apostar em um projeto robusto de franquias de produtos congelados. O executivo afirma que já existem cinco mil interessados. Além disso, a rede estuda ir para a China e a Índia. “Camarão para isso nós vamos ter”, diz Perri.


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