O desafio de pensar o Brasil a partir do Pantanal
“A gente ajuda a natureza e a natureza ajuda a gente”. A frase do ribeirinho Vanderlei Azambuja Fernandes, 45 anos, revela um comportamento harmonioso entre os agricultores familiares de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e o bioma Pantanal. Produtores de comunidades quilombolas, assentados, agricultores familiares, qualquer um que produz orgânico, se junta à Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Agricultura Familiar de Campo Grande (Organocoop). Plantam, produzem, colhem hortaliças 100% orgânicas. A expertise da cooperativa a transformou na única da agricultura familiar totalmente orgânica. Um trato diferente com o bioma, o alimento e a saúde de todos.
A Organocoop começou a partir de um projeto sustentável. Durante a execução, a produção foi tanta que sobrou alimentos. Para dar vazão aos produtos e incentivar a comercialização, foi criada a cooperativa. São 48 produtores só em Campo Grande. Lá, eles passam constantemente pelo trabalho intensivo dos agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), treinam modelos de produção sustentável, desenvolvem o próprio insumo, entre outras coisas. “Tudo aqui é bem natural. Como produtor, vejo isso como uma atitude muito boa. A gente consegue ver hoje, depois de seis anos, que a propriedade se transformou”, conta Vanderlei.
Onde antes era somente pastagem, indica o produtor, se formou barreira vegetal. “Até a produção melhorou. Ou seja, temos a obrigação de nos preocupar com o bioma. Isso ficará para outras gerações. A gente nota uma mudança de comportamento, uma procura maior pelos produtos, por informação, e quando a gente consegue explicar todo esse trabalho sustentável para uma pessoa, ela adere na hora. Só quer nosso alimento. Produzimos sem prejudicar o meio ambiente e de forma saudável. É bom comer o que produz, sem preocupação”, comenta o agricultor. Atualmente, a principal forma de comercialização da Organocoop é por meio das feiras livres da região.
O livro Biomas do Brasil 2017: da exploração à convivência, de Ivo Poletto, refere-se ao Pantanal como maior área inundável do Planeta. Não quer dizer que fica inundada todo o tempo; mas que pode ser inundada. E quase todo ano acontece isso, na época da chuva, que se dá praticamente no mesmo período que no Cerrado: de outubro a março. O Pantanal é uma área mais baixa do que o Cerrado, e isso explica porque grande quantidade da água deste bioma vem exatamente do Cerrado.
O Pantanal consome, por meio da evaporação e da transpiração dos seres vivos vegetais e animais, 35% mais do que o total das águas das chuvas que caem em sua área. Sozinho, isolado, ele seria uma região seca, com, talvez, alguns alagamentos na época das chuvas. Não é difícil entender isso. Basta lembrar que os lagos, gerados pela inundação, formam uma lâmina de água exposta ao sol, favorecendo a evaporação.
É importante lembrar que seu clima é quente; no verão, chega a 38°, e mesmo no inverno, sem chuvas, o sol bate direto sobre as lâminas de água. Por isso, uma primeira e desafiadora conclusão: pensar o Brasil a partir do Pantanal, querendo um Pantanal favorável à vida, significa prestar atenção ao que acontece no Cerrado; se diminuírem as águas no Cerrado, faltará água no Pantanal. Em tempos normais, pelo menos 35% das águas do Pantanal vêm de fora, do Cerrado.
Na parte norte, a vazão de águas do Planalto ao Pantanal é de 72%, correndo pelos rios Paraguai, São Lourenço, Cuiabá, Correntes/Itiquira/Piquiri; no Sul, é de 28%, entrando pelos rios Taquari, Negro, Aquidauana, Miranda. Tudo somado, num ano com chuva abundante no Cerrado e no Pantanal, o Rio Paraguai chega a ter a largura de 20 quilômetros. Leia o livro completo aqui.
Conservação
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) trabalha com unidades de conservação, espalhadas por todos os biomas brasileiros. Hoje, é a principal ferramenta do governo para manter essas regiões sob constante cuidado. Ao todo, são mais de 2 mil unidades de conservação espalhadas pelo Brasil, sendo 327 do governo federal. São separadas em 12 categorias, que se encaixam em dois grandes grupos: o de Proteção Integral e o de Uso Sustentável (Veja quadro). As unidades são geridas pelo Instituto Chico Mendes, desde a IN 29/2012.
O documento contém as regras construídas e definidas pela população tradicional beneficiária da Unidade de Conservação de Uso Sustentável juntamente com o Instituto Chico Mendes quanto às atividades que são tradicionalmente praticadas, como deve se dar o manejo dos recursos naturais e o uso e ocupação da área, com o objetivo de conciliar as atividades com a conservação ambiental. No bioma Pantanal, são três unidades de conservação.
Slow Food
Uma das fortalezas do Pantanal, protegido e catalogado no movimento Slow Food no projeto Arca do Gosto, em parceria com Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), é o Arroz-nativo-do-Pantanal. Localmente também é conhecido como Arroz-do-campo ou, na língua do povo guató nativo, como Machamo. As plantas locais, incluindo o arroz, são utilizadas como pasto para o gado durante os períodos em que o Pantanal não é inundado.
No entanto, de acordo com uma publicação do Slow Food para proteger a biodiversidade, a gestão de gado em áreas vizinhas, ou mesmo nas terras baixas, tem sido responsável por vários incêndios que destruíram grande parte da vegetação durante a estação seca nos últimos anos. Coleta de plantas nativas incentiva as pessoas a proteger esses ambientes que são tão importantes para a conservação da biodiversidade regional. Nesse contexto, o arroz nativo do Pantanal é uma espécie-chave.
Atualmente, o produto está sendo comercializado com ajuda da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Através de um projeto de extensão essa comercialização está sendo realizada principalmente com a comunidade universitária e restaurantes de chefs ligados ao Slow Food.
Conheça
Bioma Pantanal 3,5 mil espécies de plantas 124 espécies de mamíferos 463 espécies de aves 325 espécies de peixes
Fonte: Sead 4,4% do território protegido legalmente com unidades de conservação.