Um novo olhar sobre as emissões da pecuária brasileira
Caprinos, ovinos, bubalinos, suínos, aves e, especialmente, os mais de 210 milhões de bovinos criados em terras brasileiras costumam ser considerados a causa de uma montanha de gases de efeito estufa liberados anualmente na atmosfera. Um projeto de pesquisa de grandes proporções acaba de mostrar que a realidade é mais positiva do que se calculava para a maior parte do rebanho, e a conta ambiental da pecuária verde-amarela não é tão grande como se estimava.
Durante cinco anos, mais de 350 cientistas de 27 Unidades da Embrapa, cerca de 50 instituições parceiras nacionais e oito internacionais dedicaram-se a estudar a dinâmica de gases de efeito estufa na pecuária em cada um dos biomas brasileiros − Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. A Rede de Pesquisa Pecus obteve resultados importantes: criou uma metodologia que reproduz com maior precisão a realidade dos rebanhos nacionais e gerou modelos que produzem resultados comparáveis entre os biomas, respeitando-se as diferentes peculiaridades de cada um deles.
A abordagem mais precisa revelou novas informações. Os cientistas descobriram que a atividade emite menos Gases de Efeito Estufa (GEEs) do que era estimado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), especialmente em relação ao gás óxido nitroso. Além disso, os dados mostraram que os sistemas com animais têm se tornado, ao longo dos anos, cada vez mais sustentáveis ambientalmente e são capazes até de retirar carbono da atmosfera se manejados com técnicas adequadas.
Em geral, na maior parte dos modelos analisados que obtiveram ganho de produtividade por meio de adoção de tecnologias, ocorreram diminuição das emissões e aumento do sequestro de carbono pelo solo e árvores. Os dados revelaram ainda quais modelos pecuários são mais competitivos economicamente mantendo-se a sustentabilidade ambiental. Patrícia conta que a produtividade animal em sistema intensivo mostrou ser até quatro vezes maior em comparação ao extensivo ou degradado.
O trabalho gerou um oceano de informações. Para cada balanço de carbono nos sistemas, foram realizadas cerca de cinco mil avaliações no campo e no laboratório. "Houve um input de dados muito grande para cada balanço. São informações robustas e que merecem o reconhecimento pelo grande trabalho experimental realizado", ressalta.
As informações coletadas foram organizadas e armazenadas em banco de dados, permitindo estudos de modelagem biofísica, de aspectos socioeconômicos e geoestatísticos. Com isso, foi possível a análise conjunta dos resultados e a prospecção de cenários futuros. "Então, hoje, usando os dados obtidos nos experimentos e coletados, associados a ferramentas de modelagem, podemos criar vários cenários de acordo com o investimento ou com a taxa de adoção de tecnologias", conta a pesquisadora.
Entre as importantes aplicações desses resultados está subsidiar o Inventário Nacional de Emissão e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa, documento que consolida as contribuições do País no balanço mundial de emissões de GEEs. Hoje, alguns fatores de emissões de GEEs da pecuária brasileira são avaliados usando-se padrões internacionais, pouco representativos para as condições tropicais, o que deve melhorar à medida que os artigos científicos forem publicados.
O pesquisador Renato Rodrigues, da Embrapa Solos, que coordena a incorporação dos dados da agropecuária no documento, acredita que os resultados da Pecus vão ser fundamentais para aprimorar os dados da quarta edição do Inventário Nacional.
O terceiro inventário, divulgado em junho deste ano, abrangeu as emissões entre 1990 e 2010 e mostrou que a pecuária tem se tornado mais sustentável ao longo do tempo. De 1990 a 2005, as emissões do setor agropecuário aumentaram 38%. Já entre 2005 e 2010, o aumento foi de 5%. Para o pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste Alexandre Berndt, responsável pelos dados de emissão de metano entérico e de dejetos, a menor taxa do último período é reflexo das boas práticas de produção adotadas pelo setor, que tem buscado melhor eficiência com sustentabilidade.
A fim de gerar o balanço de carbono em áreas recuperadas e sistemas intensivos, usou-se para comparação pastagem degradada e vegetação nativa como referência negativa e positiva, respectivamente. Foram avaliados sistemas extensivos e de diferentes níveis de intensificação de produção a pasto, integração lavoura-pecuária ou agropastoril (ILP), integração lavoura-pecuária-floresta ou agrossilvipastoril (ILPF), a integração pecuária-floresta (IPF) ou silvipastoril e confinamentos para produção de bovinos, bubalinos, caprinos, ovinos, suínos e aves e tratamento de dejetos animais. Em cada um deles, analisaram-se emissão de GEEs no sistema solo/planta, emissão de metano entérico (gás produzido naturalmente pelos ruminantes durante o processo de digestão) em bovinos, bubalinos e ovinos, componentes produtivos das pastagens nos sistemas e na vegetação natural, desempenho dos animais, sequestro de carbono e economia.
Carne com mais valor
Segundo Patrícia Anchão, nas próximas etapas do projeto, a pesquisa visará valorizar a qualidade da carne nacional, tanto do ponto de vista ambiental quanto nutricional. "A carne brasileira, de gado criado no pasto, possui melhor perfil de ácidos graxos, é mais saudável do que a produzida por animais confinados. Além de benéfica à saúde, podemos agregar valor ambiental. Os animais são criados em seu habitat, o que reduz o estresse e melhora seu bem-estar. Quando usamos pastagens nativas, a exemplo do Pampa, Pantanal e Caatinga, preservamos a biodiversidade", destaca a pesquisadora.
O trabalho também gerou conhecimentos valiosos sobre cada bioma. Na Mata Atlântica, por exemplo, pesquisas apontam aumento da produtividade quando o pecuarista investe em pastagens bem manejadas e adota tecnologias, deixando para trás o modelo extensivo, de pasto degradado. Mesmo nos biomas onde predominam sistemas extensivos, como Pantanal, Caatinga e Pampa, se o manejo for adequado, os estudos indicam que haverá sequestro de carbono ao longo dos anos.
A emissão de metano pode diminuir com o ajuste do número de animais à oferta de pasto – um desafio para pecuaristas do Pampa, bioma que apresenta uma vocação natural para a pecuária. No Pantanal, contrariando expectativas, as emissões se mostraram semelhantes às de outros biomas, apesar do menor grau de intensificação. A explicação pode estar na dieta dos bovinos.
Ainda sobre dieta, as pesquisas na Amazônia apontaram alternativas para a alimentação de bubalinos, com suplementos provenientes de palmeiras locais que ajudam a reduzir as emissões. O estresse térmico de búfalos foi outro fator estudado e associado às emissões naquele bioma. Na Caatinga, a ciência mostra que é preciso atenção especial à suplementação de ovinos nos períodos de estiagem. Nessas ocasiões, a qualidade dos alimentos disponíveis é menor, afetando a digestibilidade e elevando a taxa de emissão de metano.
No bioma Cerrado, foram estudados os sistemas integrados ILP (integração lavoura-pecuária) e ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta), além de pastagens extensivas. Os resultados mostraram que estoques de carbono no solo serão maiores nos sistemas integrados conforme a capacidade das forrageiras de armazenagem. Outras pesquisas nesse bioma revelaram que as emissões de gases de efeito estufa pela urina dos bovinos são bem superiores à emissão pelas fezes. Nas próximas páginas estão os principais resultados referentes a cada bioma revelados por trabalhos da Rede Pecus, cuja segunda etapa começará em 2017 com um desafio maior: fazer a pecuária brasileira responder às mudanças climáticas do planeta.
Setor primário e emissão de GEEs
Análises sobre o aquecimento global demonstram que os bovinos, vistos de forma isolada, de fato possuem papel relevante na emissão de GEE. Luiz Gustavo Pereira, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, explica que isso ocorre no processo de nutrição dos ruminantes, que produz metano, liberado principalmente por meio da eructação (arroto dos animais). "A digestão dos ruminantes utiliza a fermentação, possibilitando o aproveitamento da celulose como alimento. Com isso, ocorre a produção de CH4, cujo potencial de provocar o aquecimento global é 25 vezes maior do que o gás carbônico", explica o pesquisador. Segundo o IPCC, o setor agrícola é responsável por 13,5% das emissões anuais de carbono equivalente (CO2eq).
Recomendações da pesquisa
Praticada de forma sustentável, a pecuária deixa de ser emissora de carbono para se tornar fonte de redução dos GEEs. Entre as medidas preconizadas pela Embrapa para que isso ocorra estão: Recuperar e manejar corretamente as pastagens: Estima-se que haja 180 milhões de hectares de pastos no Brasil e mais da metade esteja com algum grau de degradação. Pastagens bem manejadas trazem dois benefícios: o primeiro é que, do ponto de vista nutricional, o pasto é um alimento barato para o rebanho e sua qualidade determina menor uso de grãos na dieta. Quanto ao segundo benefício, do ponto de vista ambiental, uma boa pastagem acumula mais matéria orgânica no solo, sequestrando carbono.
Integração Lavoura, Pecuária, Florestas (ILPF): Adotar o sistema ILPF é uma saída para o problema da baixa qualidade dos pastos. O fortalecimento da Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC) está centrado na pecuária por meio da recuperação de pastagens e ILPF. Em sistemas integrados de produção, a pecuária em condições tropicais possui grande capacidade de sequestrar carbono. Os sistemas de ILPF podem expandir a produção agrícola nacional sem a necessidade de abrir novas fronteiras, o que é positivo em termos de emissão de GEE.
Alimento de qualidade para o rebanho: É consequência direta da melhoria das pastagens. Uma estratégia nutricional para a mitigação de GEE é fornecer boa alimentação para o gado. Essa ação reduz a produção de CH4 no rúmen e promove a melhoria geral dos índices zootécnicos, elevando a taxa de lactação e, consequentemente, emitindo menos metano/kg de leite produzido.
Melhoramento genético animal: Essa é uma das áreas que mais evoluíram nos últimos anos. No caso da pecuária de leite, um exemplo é o gir leiteiro, raça adaptada às condições brasileiras. A produção média das vacas em teste de progênie em 1985 era de 1.900 kg/lactação; atualmente, chega a 4.390 kg/lactação. O aumento da produtividade do bovino é uma estratégia de mitigação de GEE.
Os índices de emissão de GEE pela pecuária podem variar muito de país para país ou de sistema de produção para sistema de produção. A pecuária de leite no Brasil, que explora as pastagens, é diferente da realidade da atividade no Canadá, que adota sistemas confinados, por exemplo. Isso justifica um estudo aprofundado da pecuária nacional sobre o problema, como é o caso das investigações que ocorrem no âmbito da Rede Pecus. Segundo o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, Eduardo Delgado Assad, a média de emissão de CO2eq por bovino é de 57 kg/animal/ano. Mas esse número representa apenas o que o animal emite. "Quando colocamos o bovino em cima do pasto, a coisa muda de figura", diz Assad.
Considerando um sistema com taxa de lotação de uma UA/ha (Unidade Animal/hectare) em um pasto degradado, o bovino emite em torno de 1.800 kg de CO2eq. Um segundo sistema com o mesmo animal em um bom pasto, bem manejado, é possível sequestrar, por meio da pastagem, 3.600 kg de CO2eq por hectare ano. Temos então uma taxa positiva de 1.800 kg de CO2eq retirados da atmosfera. A conclusão de Assad, confirmada pelos trabalhos apresentados pela Pecus: "No sistema boi/pasto bem manejado, não há emissão de gases de efeito estufa, há retirada".
FONTE: Embrapa